A cartografia influencia a construção das opiniões?

Infelizmente, não pretendo aqui responder à pertunga-título da postagem, acho que essa seria uma empreitada muito maior do que sou capaz com o conhecimento que tenho da questão. Mas creio que a discussão, que até já vi aparecer em alguns locais nos últimos anos, sobre o tipo de representação gráfica convencionalmente utilizado por nós, principalmente em mapas de pequenas escalas (para mapas em escalas maiores há soluções mais engenhosas), é bastante pertinente para refletirmos sobre a construção das opiniões. Para não excluir da discussão aqueles que nunca se inteiraram do tema, aqui vai uma sucinta explanação sobre cartografia.

A conversão de uma superfície esférica tridimensional em uma superfície bidimensional, como acontece quando representamos a superfície terrestre em um mapa, não pode ser feita sem alguma distorção, e é preciso escolher entre conservar ângulos ou manter proporcionais as áreas. Ou seja, as formas e as dimensões não podem ser preservadas ao mesmo tempo. Existem alternativas que distorcem mais ou menos determinados locais da superfície terrestre, e pode-se escolher a representação mais adequada para examinar uma área de interesse. Esses aspectos técnicos são muito interessantes e, embora desnecessários à discussão proposta, valem a pena ser pesquisados.

A representação mais utilizada nos mapas mundi, a que vemos estampada em atlas, livros e apostilas, é a de Mercator. Trata-se de uma projeção cilíndrica que conserva os ângulos verdadeiros, o que lhe confere uso consagrado na navegação marítima e aeronáutica. No entanto, em altas latitudes, as distorções nas áreas ficam gritantes (a Groenlândia, que possui 1/8 do tamanho da América do Sul, parece ser maior que ela), e os polos nem mesmo podem ser representados. Para se ter melhor noção das deformações geradas por diferentes projeções, vale a pena comparar a de Mercator com a de Peters. Esta última é também uma projeção cilíndrica, mas faz a opção inversa da primeira: conserva a proporcionalidade das áreas, distorcendo os ângulos.

Me impressionei quando vi esta comparação, em uma aula de “técnicas de representação”. Salta aos olhos o aumento do tamanho da África, da América do Sul e da Oceania, quando vamos de Mercator a Peters. Não quero de forma alguma levantar aqui a lebre da existência de qualquer conspiração mundial, isso é mais uma questão de gosto. Mas não creio que seja desprezível o fato de que o mapa mundi que sempre vemos representa uma Europa e uma América do Norte cujas porções de terra parecem ser muito maiores do que de fato são, aparentando que eles têm uma importância geográfica muito maior do que de fato têm. E aquelas comparações típicas que sempre aparecem quando se estuda Geografia, de que cabem X Portugais dentro do Estado de São Paulo, ou Y Europas dentro da Amazônia, não impactam da mesma forma que a descoberta do mapa mundial feito pela projeção de Peters. Afinal, uma imagem diz mais que mil palavras.

Assim, não posso também deixar de me perguntar: será que nos é incutido um “respeito” maior a esses continentes do que teria sido se estudássemos mapas feitos com a projeção de Peters? Tamanho pode até não ser documento, mas com certeza se impõe, principalmente quando associado a uma determinada conjuntura histórica, econômica, política e social.

A primeira vez que realmente pensei no quanto a forma como vemos a representação gráfica do mundo nas cartilhas escolares pode influenciar nossa pré-disposição à (não)aceitação de determinados valores foi quando assisti ao vídeo Levante Sua Voz. Ele nada tem a ver com cartografia, trata sobre comunicação. Mas em uma das cenas, justamente durante uma discussão sobre a formação das opiniões, aparece um globo terrestre invertido. Quem determina que o mundo seja visto assim ou assado? A Europa está mesmo “acima” da África?

Mari

1 comentários:

Samsara da Ciência disse...

Mari, gostei do texto. Acho que discutimos bastante em aula sobre essa questão, de como a construção de uma informação está demasiadamente ligada aos interesses de quem a transmite.
É claro que toda informação carrega consigo as opiniões e visões de mundo de quem a produz, mas isso realmente se torna prejudicial se os veículos de informação de massa só repassam pontos de vista singulares e tendenciosos.
O vídeo que a prof. Luciana indicou também trata dessa questão de uma maneira bem bacana...
Parabéns pelo blog!!!
Ah, não conhecia esse vídeo "Levante sua voz", vou compartilhá-lo nas minhas "redes socias"..rs
Abraços, Carla.

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